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Seis meses de paralisia: diversificação das fontes de rendas como 'saída'
Publicado em 14/09/2020

Conheça exemplos de artistas que apostam na microssustentabilidade – uma grande pulverização das receitas em áreas como digital, merchandising, lives e patrocínios – para tentar contornar a crise ainda sem data para acabar

Por Fabiane Pereira, do Rio

A cantora Leticia Novaes, conhecida como Letrux: lives, digital, merchandising e outras iniciativas que lhe deram 'um verdadeiro alívio'

 

Passados seis meses desde a decretação da pandemia global pela OMS – e da paralisação do segmento de shows ao vivo, principal fonte de receita para muitos artistas da música –, a retomada lenta ainda mantém a muitos financeiramente desequilibrados. A retomada continua a ser um sonho distante, mas, por meio de organização e diversificação, alguns têm conseguido compensar, ao menos em parte, a acentuada queda em seus rendimentos. Entre os criadores do underground e os médios do midstream, a aposta é na microssustentabilidade, ou seja, numa pulverização das receitas através de pequenos rendimentos em diversas áreas. São vários os exemplos de artistas que têm conseguido se virar assim, inspirando os demais.

Letícia Novaes, conhecida no Brasil inteiro como Letrux, estava prestes a estrear nos palcos o show do seu segundo álbum solo, “Letrux Aos Prantos”, quando o isolamento social foi decretado no Brasil em março. Passado o impacto inicial, ela decidiu se render às lives. “Eu fiz poucas lives pagas, mas as que eu fiz foram bacanas, um verdadeiro alívio num ano que prometia tanto. Shows, lançamento, festival: nada aconteceu”, relembra. E, agora, pós-boom das lives, outras fontes de receitas estão ajudando Letrux a sobreviver. “Minha lojinha dá retorno. Não de uma maneira 'oh, meu Deus!', porque não sou uma artista mainstream, mas existe, sem dúvida, um respiro que vem desse lugar. Além dela, tem a grana do streaming também. São pequenos somatórios que, no final, ufa!, estou conseguindo, estou aliviada”, conta.

"Organizei tudo que estava desorganizado. Consegui receber dinheiro que estava retido, os conexos passaram a ser outra fonte de renda, assinei com uma editora que consegue recolher os direitos autorais fonomecânicos do digital..."

Daniela Rodrigues, empresária do rapper Rashid

Daniela Rodrigues, diretora da empresa Foco na Missão, responsável pelo agenciamento do rapper Rashid, explica que, graças à microssustentabilidade, ela tem conseguido equilibrar as contas durante esse ano atípico. “O rap, desde os primórdios, se apropria de outros segmentos artísticos para sobreviver. A moda dentro do rap é um negócio à parte. Comecei a entender isso após assistir a um DVD chamado 'Inside Hip Hop', que mostra os principais empresários da gringa explicando como faziam camisetas e outros tipos de roupas para vender e custear a música. Então, antes mesmo de o Rashid lançar suas faixas, a gente começou a pensar em fazer camisetas e a promover nosso merchan, porque este dinheiro nos ajudava a financiar a música."

Em 2010, quando Rashid lançou seu primeiro disco, já o fez com camiseta de merchan. Mesma coisa foi a priorização das estratégias digitais sobre quaisquer outras. "Não tivemos aquela sensação de 'ai, antes a música dava dinheiro e, agora, já não dá'. A música nunca tinha dado dinheiro para a gente. Então, quando entrou o digital, ao contrário do que pensam os artistas que estão há mais tempo na indústria, passamos a acreditar que a música dá dinheiro”, explica Daniela.

"Um grande artista não realiza sua obra e não se concretiza se não consegue organizar sua produção ou, minimamente, ter um planejamento claro e uma capacidade de execução efetiva."

Gustavo Anitelli, O Teatro Mágico

Para os artistas que trabalham bem sua gestão administrativa, há algumas fontes de receitas interessantes no digital. Renda pelo streaming, por download, monetização de vídeos através de um canal no YouTube, posts patrocinados pelo Instagram ou Facebook, execução pública, direitos fonomecânicos, licenciamento da música e venda de produtos são alguns dos muitos tipos de rendimentos que, somados, compõem essa rede de sustentação.

“Ao entender como funciona o digital, percebemos que tínhamos várias fontes de receitas. São pequenas receitas individuais que, somadas, têm um peso. Entendi que precisava trabalhar direito nas plataformas digitais para poder tirar dinheiro dali. E aí organizei tudo que estava desorganizado. Consegui receber dinheiro que estava retido, os conexos passaram a ser outra fonte de renda, assinei com uma editora que consegue recolher os direitos autorais fonomecânicos do digital, e isso passou a ser mais uma fonte de renda redondinha, que todo mês cai um pingado. Continuo cuidando muito do nosso merchan neste período de pandemia”, enumera a empresária: “Um artista é muita coisa, ele tem aberturas em vários canais. Temos os direitos conexos que vêm pelo Ecad, a parte autoral que vem pelo Ecad e via editora, tem os ganhos que recebemos pela agregadora digital e pela gravadora, tem o YouTube que permite monetizar qualquer vídeo... Fora que, sabendo trabalhar a imagem do artista, ela pode vender publicidade, post em rede social... Aí são outras fontes de receita.”

Importante lembrar que boa parte dessas receitas enumeradas por Dani Rodrigues vem da relação que o artista tem com sua base de fãs. Foram eles, os fãs, que ajudaram a escoar o álbum “Letrux Aos Prantos”, mesmo na pandemia. “O CD 'Letrux Aos Prantos' foi lançado no dia em que o mundo parou, 13 de março. Mas consegui vender tudo graças ao meu público. Agradeço sempre imensamente a todos que compram meu livro, as ecobags...”, enumera a artista.

A turma do Teatro Mágico, gigante do mercado independente, é outra que acredita que os microrrendimentos podem salvar artistas em momentos ímpares como o que estamos vivendo. Gustavo Anitelli, fundador do projeto ao lado do irmão, Fernando, diz que suas receitas em 2020 são oriundas da lojinha de merchan da banda, plataformas digitais (direito autoral), lives pagas e um modelo de show/sarau privado nominado como experiência, feito pelo Teatro Mágico, para seu público fiel. Gustavo é outro defensor da organização administrativa do negócio. “Estabelecemos uma política para cada uma dessas fontes de receitas. Porém, todas provêm de um mesmo centro de organização. Então, ainda que você tenha uma política diferenciada para uma arrecadação financeira distinta, pressupõe-se que ela venha de um mesmo conceito”, explica.

"Minha lojinha dá retorno. Não de uma maneira 'oh, meu Deus!', porque não sou uma artista mainstream, mas existe, sem dúvida, um respiro."

Letrux

“Um grande artista não realiza sua obra e não se concretiza se não consegue organizar sua produção ou, minimamente, ter um planejamento claro e uma capacidade de execução efetiva. Assim como um produtor também precisa ter, enfim, uma visão criativa para que, em momentos como este, consiga construir um conjunto de políticas de arrecadação financeira que vende um mesmo conceito, que veio de uma mesma ideia artística, cada vez mais se reforça a necessidade de o artista ter um olhar mais amplo para sua produção na estratégia, na organização e na execução”, acredita.

A pandemia acelerou uma tendência que já era percebida: o estreitamento da relação do artista com seu público através das redes sociais. Com uma agenda de shows bastante restrita – mesmo para aqueles que já estão se apresentando em drive in –, os artistas estão mais tempo conectados. Natural que essa troca se intensifique e que os fãs acabem se tornando mais fiéis. O distanciamento é apenas físico, virtualmente estamos muito próximos. Quando tudo reabrir, o artista já vai ter descoberto novas formas de receitas.

Vale ressaltar que estamos nos referindo a uma parcela pequena de artistas que podem se organizar administrativamente e gerar outras receitas no período de escassez da música ao vivo. O pesquisador da PUC-Rio e da ESPM, Giovani Marangoni, pondera que há uma imensa parcela de músicos, em especial os não filiados a sociedades de gestão coletiva e os que integram a chamada economia submersa da música. Estes, mesmo organizando-se administrativamente, dificilmente conseguirão se beneficiar de alguns segmentos dessa microssustentabilidade pulverizada. 

"Há músicos de apoio, por exemplo, que tinham boa receita antes da pandemia e, com a paralisação das atividades, deixaram de receber."

Giovani Marangoni, pesquisador da PUC-Rio e da ESPM

“A grande maioria dos músicos no Brasil estão tocando em bar, dando aulas online ou em escola e não conseguem gerar outras receitas. A quantidade de músicos que conseguem ter essa base é muito pequena, a grande maioria não tem segurança de trabalho nem estabilidade nenhuma”, comenta. “Estamos concluindo uma pesquisa em parceria com a UBC que mostra que muitos músicos não estão filiados, não recebem direito autoral nenhum e sequer têm conhecimento de como isso funciona. Esse perfil de músico está passando por dificuldades desde antes da pandemia, a pandemia só transformou essa dificuldade em absurdo”, reforça. “Ressalto também que é importante separar músicos de artistas pop. Os microrrendimentos são mais prováveis para artistas que têm fãs diretos. Há músicos de apoio, por exemplo, que tinham boa receita antes da pandemia e, com a paralisação das atividades, deixaram de receber. Por não serem conhecidos do grande público, não conseguem gerar receitas por meio de outras fontes ligadas ao digital (como redes sociais ou merchan)", completa o pesquisador.

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