Relatório anual do banco americano é referência e orienta investimentos na indústria; veja os destaques da recém-lançada edição 2023
De São Paulo
O banco de investimentos americano Goldman Sachs acaba de publicar a edição 2023 do Music in The Air, seu influente relatório anual sobre o mercado musical e referência financeira para o setor. O destaque é a “queda” no tamanho da indústria musical previsto para 2030: dos US$ 53,2 bilhões de receitas que os analistas do Sachs estimaram ano passado, agora serão “só” US$ 50,1 bilhões – ou 5,8% menos. Vale lembrar que, pela conta da IFPI (Federação Internacional da Indústria gravada) em seu último relatório, atualmente o bolo total é de US$ 26,2 bilhões. Ou seja, mesmo que menos otimista, o Music in The Air continua a prever um salto de 91% nos próximos sete anos.
A redução da estimativa se deve, entre outros fatores, à exclusão da Rússia do cenário internacional após a invasão da Ucrânia, o que impactou a base da IFPI sobre a qual o banco americano faz suas análises. Mas fica claro nas páginas do relatório que a multiplicação dos negócios com a música deve continuar, o que representará crescimentos anuais sustentados de mais de 8% do mercado a cada ano até 2030.
O streaming e as sincronizações de músicas em produtos audiovisuais serão, para os analistas, os grandes motores desses incrementos. (E a multiplicação das oportunidades para a sincronização trazidas por propagandas que recriam personagens mortos, como a recente da Volkswagen do Brasil com Elis Regina e a filha Maria Rita, nem sequer foram mencionadas pelo bancão).
ALGUMAS SOMBRAS SOBRE O STREAMING
Sobre o streaming, os analistas do Goldman Sachs se mostraram preocupados pela crescente predominância de mercados emergentes entre os líderes da expansão de novos assinantes. Isso porque, com raríssimas exceções, um assinante da Índia, da Indonésia, do México ou do Brasil paga menos do que outro de Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha ou Japão.
“Essa diferença na receita média por assinante se justifica pelo fato de que os mercados emergentes já são mais de 50% da origem dos novos assinantes. Isto tende a impactar a receita total das plataformas”, escreveram os analistas do banco no relatório, que apontou ainda outros dois problemas relacionados ao streaming:
Tudo isso, segundo o Goldman Sachs, funciona como uma âncora que impede que o barco do streaming zarpe sem mais demoras em direção a águas azuis. Spotify, Deezer, Tidal e outras empresas 100% dedicadas ao streaming de áudio (o que não é o caso de gigantes como Amazon Music e Apple Music) operam há anos no vermelho, sem dar conta das suas próprias despesas e da remuneração das diferentes partes que têm direito a royalties.
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Nem tudo são más notícias para o streaming no Music In The Air deste ano, porém. O relatório continua a prever (apesar de uma ligeira queda) que o número de assinantes premium das plataformas vai quase dobrar dos atuais 650 milhões para 1,2 bilhão em 2030. E muito desse enorme crescimento poderia vir do recém-lançado TikTok Music, a plataforma de áudio com a qual o gigante chinês dos vídeos virais quer fechar um ciclo completo, 360, para se converter numa empresa de produção, distribuição e viralização de músicas.
O TikTok original, dos vídeos, já responde por 13% das receitas da indústria da música advindas do que o Music In The Air chama de “plataformas emergentes”. Se trata de uma categoria que inclui fontes alternativas, que vão desde os Reels do Instagram ao YouTube Shorts. Essa categoria soma atualmente US$ 1,57 bilhão em receitas – das quais, US$ 220 milhões vêm do TikTok.
Só que há uma plataforma bem curiosa que paga ainda mais. É a Peloton, a famosa marca de bicicletas ergométricas que é febre em países da Europa, no Japão, nos EUA e até na China. Essas bikes têm um software próprio que oferece milhares de canções para estimular as pessoas a pedalarem. E pagam direitos autorais. Especificamente, US$ 267 milhões ano passado, segundo o relatório do Goldman Sachs.
Tais plataformas alternativas devem se multiplicar, à medida que emerge a internet das coisas. O software de uma geladeira que oferece canções enquanto você cozinha também terá que pagar royalties e, portanto, passará a integrar essa categoria. A difusão do 5G está prestes a provocar uma explosão nesse tipo de usos para a música. Por isso, os analistas do banco americano preveem que, dos atuais 6% das receitas da música em 2023, as “plataformas emergentes” respondam por 14% em 2030 – e continuem a crescer forte depois disso.
A CONTRIBUIÇÃO DO RELATÓRIO PARA O DEBATE SOBRE O MODELO DE PAGAMENTO AO TITULAR NO STREAMING
Esta edição do Music In The Air também entra de cabeça num debate que vem movimentando a indústria há tempos, e sobre o qual falamos em diferentes ocasiões aqui no site da UBC. Trata-se do modelo ideal de remuneração aos titulares de direitos no streaming. Atualmente, como se sabe, impera o modelo chamado pro-rata ou market-centric (centrado no mercado), no qual um só bolo geral é somado e dividido entre todos, privilegiando os artistas que mais plays tiverem num determinado período. Ninguém está totalmente contente com ele.
Outro modelo que vem sendo debatido é o user-centric, em que as audições de um usuário são levadas em conta na hora de pagar, o que tende a beneficiar os artistas que ele escutar, mesmo que não estejam entre os mais bombados do conjunto do streaming. Enfrenta reticências da indústria, inclusive dos independentes.
E, recentemente, o CEO da Universal Music, Lucien Grainge, pediu uma espécie de modelo “artist-centric”, ou centrado no artista, em que as peculiaridades dos criadores de música sejam levadas em conta na hora de criar um sistema de remuneração mais justo.
O relatório do Goldman Sachs tenta analisar os modelos user-centrics (como recentemente implementado pelo SoundCloud) e aborda o “artist-centric” do chefão da Universal. No final das contas, o banco americano faz uma mistura dos dois modelos para concluir que os superfãs muito engajados a seus artistas favoritos poderiam significar uma importante fonte de receitas no streaming caso fosse adotado o modelo user-centric.
Atualmente, segundo o relatório, “só 20% dos usuários atuais das plataformas podem ser classificados como superfãs”. Num cenário em que fosse implantado um modelo user-centric no qual certos fãs topassem pagar um pouco mais pela assinatura sabendo que esse dinheiro iria para os artistas que eles efetivamente ouvem ao longo de um mês, o Sachs faz um exercício de futurologia e prevê que, inicialmente, talvez 10% dos assinantes superfãs topariam. Mas se, pouco a pouco, mais superfãs aderissem, chegando a algo como 70% de participação, seria possível que mais de US$ 4 bilhões fossem gerados anualmente para os artistas com streaming.
São, claro, muitas condicionais e variáveis. Mas fica claro que o simples fato de ter feito essas contas todas mostra que o Sachs leva a sério o suficiente a ideia do user-centric, que grande parte da indústria ainda parece rechaçar. Pelo menos por enquanto.
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