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Qual foi o acontecimento mais importante no mundo da música em 2023?
Publicado em 29/12/2023

Uma retrospectiva especial em que sete especialistas de várias áreas do mercado comentam os marcos do ano que impactarão 2024 e além

Por Eduardo Lemos, de Londres

Nesta que é a minha última matéria para a UBC em 2023, me permito quebrar a quarta parede e falar diretamente ao leitor. Se é óbvio dizer que uma matéria não existiria sem a figura do jornalista - que, como definiu Alberto Dines, é aquele "investiga, arruma, referencia" - também é inquestionável a importância das fontes, que, a partir de suas especialidades, iluminam os fatos expondo suas opiniões, dados e informações.

Ao longo deste intenso ano para a indústria musical (dos streamings aos festivais, da inteligência artificial aos licenciamentos, todos os segmentos parecem ter passado por sua própria revolução), conversei com dezenas desses profissionais: de artistas a CEOs, de analistas de mercado a produtores de estúdio, de advogados especializados em direitos autorais a críticos musicais. 

Para fechar 2023, resolvi, então, convidar 7 desses especialistas para responder uma única pergunta: 

Qual foi o acontecimento mais importante no mundo da música em 2023?

As respostas comprovam que 2023 foi, de fato, um ano com muitos assuntos importantes para o mercado musical. Confira:

 

ANDRÉ IZIDRO, CEO e Co-Fundador da Atabaque

"Para mim, um dos assuntos mais debatidos no mundo da música em 2023 foi AI e possíveis impactos na indústria, na criação ou recriação de vozes, criação de músicas em volume, direitos etc. A canção ‘Heart On My Sleeve’ que ganhou vida artificialmente nas vozes de Drake e The Weeknd, sem dúvida foi o ponto áureo sobre AI na música e estopim para importantes debates.

Porém, o acontecimento mais importante que eu considero é o movimento de aquisições e organização de modelos de distribuidoras, agregadoras e gravadoras. Depois de 7 anos de crescimento ininterruptos pautados principalmente pelo modelo de assinatura nas DSPs, as distribuidoras e agregadoras, que ganharam destaque por serem muitas, cada uma com sua peculiaridade e/ou regionalização, e que são basicamente tecnologia que facilita a lógica de publicação e gestão de músicas nas DSPs, serão adquiridas e cada vez mais integradas de forma estratégica em grandes corporações.

O fato de a Sony estar no Brasil com 5 companhias/modelos diferentes "independentes", Sony, Som Livre, The Orchard, AWAL e, recentemente, com a aquisição da Altafonte, ao mesmo tempo em que a Universal integra a Ingrooves e a Virgin como braços de distribuição do grupo são, a meu ver, marcos dessa reflexão e tendência de aquisições, definições de modelo e consolidação de mercado."

LEIA MAIS: Reveja a capa da primeira edição da Revista UBC 2023, sobre criação musical por inteligência artificial (março)

 

ALAN LOPES, A&R da Som Livre

"O acontecimento mais significativo na música em 2023, em minha opinião, foi mais um passo no descolamento da relação entre charts e premiações. No decorrer deste ano, grandes premiações, como o Prêmio Multishow e o Latin Grammys, deram passos importantes, ainda que discretos, para esclarecer o papel de uma premiação, destacando que a música e a arte transcendem aspectos meramente quantitativos. No contexto brasileiro, a presença de novos artistas, como Hodari, Luthuly, Àttooxxá, Xênia França, e de renomados, como Planet Hemp e Gaby Amarantos, entre os indicados e vencedores do Latin Grammy de 2023 lançou uma luz sobre segmentos, músicas e álbuns que nem sempre alcançam a notoriedade merecida no momento de seu lançamento. A vitória de Melly como artista revelação no PMSW23 foi igualmente uma conquista significativa que traz também uma luz gigante para a música contemporânea brasileira no mercado. Esses passos são um avanço, destacando e proporcionando visibilidade à qualidade e expressão artística da música, gerando oportunidades, não apenas com base em critérios quantitativos ou de voto popular. Embora os charts sejam relevantes, não são imperativos. Eles refletem muito sobre o consumo e preferências do público no presente, mas a música é uma forma de arte muito mais abrangente. Esteja ela no chart ou não, continuará a emocionar e a exercer um impacto criativo, cultural e social significativo em todos nós". 

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ANITA CARVALHO, diretora do Rio Music Academy e empresária artística 

"Para mim, a notícia mais importante do ano foi a de que Deezer e Universal Music avançaram no modelo de remuneração user centric para o streaming, chegando a dobrar a remuneração para músicos profissionais e valorizando as músicas escolhidas pelos usuários ao invés das distribuídas por algoritmos.  Sabemos que o mercado da música enfrenta uma grave distorção econômica, uma vez que o custo da produção musical dificilmente consegue ser recuperado com as receitas de streaming (na maior parte dos casos os artistas contam com as receitas de shows ao vivo como receitas principais). Portanto, essa notícia representa no mínimo o reconhecimento de que mudanças - ainda que lentas - são necessárias". 

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BRUNO MARTINS, dono da Milk Music, co-fundador da Shake Music e membro do board da ABMI

"Este foi um ano de muitas movimentações no mercado, desde grandes mudanças na monetização de plataformas de streaming até aquisições a nível global acontecendo, especialmente por parte das majors. Isso mostra, sem sombra de dúvidas, um mercado aquecido. Porém, ao mesmo tempo, exige atenção aos players independentes, que devem se manter unidos para ter força e conquistar espaço no mercado. Esse tem sido o foco da minha atuação dentro da ABMI, na elaboração de projetos com este intuito.

Tendo dito isso, não poderia deixar de citar como um grande acontecimento para o ano de 2023, a criação do Play de Ouro, certificação da ABMI em homenagem às músicas e álbuns de artistas independentes. Alguns nomes importantes como Marisa Monte, Maria Bethânia e João Donato (ainda em vida) receberam e comemoraram as certificações este ano, mas ainda há um longo caminho pela frente para popularizar essa certificação, que é uma conquista do independente."

LEIA MAIS: Play de Ouro, uma certificação musical para a era digital (janeiro)

 

DANI RIBAS, doutora em Sociologia pela Unicamp, especialista em Comportamento de Público e Music Business e fundadora da Sonar Cultural.

Foto: Patrícia Soransso

"Começando no nacional, a coisa mais significativa foi o lançamento do Circuito Amazônico de Festivais, que aconteceu no Festival SeRasgum em Belém (PA) em novembro. Considerando o diagnóstico que envolve eventos ao vivo (a proliferação de festivais de agência fagocitando festivais de desenvolvimento de cenas locais; o descompasso entre cachês e orçamentos de festivais; o preço absurdo de passagens aéreas etc), e considerando os eventos extremos que escancaram a crise climática global, unir a música à causa ambiental é uma grande - e necessária - inovação. Oito Festivais independentes (ou de desenvolvimento de cena local) fazem parte do circuito: Varadouro (Rio Branco, AC); BR 135 (São Luís, MA); Calango (Cuiabá, MT); Quebramar (Macapá, AP); Se Rasgum (Belém, PA); Tomarrock (Boa Vista, RR); Até o Tucupi (Manaus, AM); e Casarão (Porto Velho, RO). O lançamento de um circuito de festivais representa a necessária vinculação entre música e causas coletivas, em que os festivais compartilham entre si as respostas aos obstáculos comuns. 

No cenário internacional, o mais significativo do ano de 2023 foi a tentativa de Uruguai e França enfrentarem as assimetrias econômicas que as plataformas de streaming causam em seus mercados locais. Cada um a seu modo (Uruguai regulamentando o recebimento de Direitos Autorais, e França taxando o Spotify para financiar o Centre National de la Musique, agência que elabora as políticas públicas para o setor da música), esses países deram início a uma tendência irreversível, que carrega um diagnóstico cada vez mais claro: o de que essas plataformas distorcem a lógica da produção em favor da lógica da distribuição (historicamente concentrada e monopolista), com ônus sérios a toda a cadeia produtiva da música. (Há quem discorde desse diagnóstico, e respeito tais opiniões. Já escrevi sobre isso aqui mesmo neste artigo do site da UBC). Faz sentido gravadoras majors e agregadoras discordarem desse diagnóstico. A novidade aqui - e por isso é algo que considero muito significativo em 2023 - é que governos começaram a perceber isso como ameaça grave ao seu sistema cultural, e começaram a agir concretamente para minimizar as distorções causadas pelo modelo de negócio das plataformas digitais, especialmente o Spotify. Aqui temos uma inflexão importante nessa discussão, que deveria inspirar outros governos, como o brasileiro, a protegerem seus ecossistemas musicais da concentração e distorções causadas pelo modelo de negócio das plataformas."

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LEO MOREL, analisa de mercado, pesquisador e A&R na Tratore

"Em 2023, o Brasil voltou a figurar entre os dez principais mercados musicais do mundo com base no fechamento do ano contábil de 2022. Tal marca contribuiu para o acirramento da concorrência entre os agentes fonográficos interessados em desenvolver suas participações de mercado no país. No meio artístico, observaram-se perdas de artistas de renome como Rita Lee, João Donato, Tina Turner e Tony Bennet. 

O ano também foi marcado pela morte da estudante Ana Clara Benevides Machado em decorrência da exposição ao calor difuso (extremo) na apresentação da cantora Taylor Swift em 17/11 no Rio de Janeiro.  Com isso, é essencial, a partir de agora, que as mudanças climáticas, que resultam em ondas de calor extremas e fortes chuvas, sejam consideradas no planejamento de todos os eventos culturais por parte do Poder Público, organizadores de eventos e os demais agentes de mercado envolvidos nesta indústria, a fim de assegurar a segurança e o conforto dos participantes."

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LUIZ GARCIA, especialista em desenvolvimento de negócios com passagens por Meta, Som Livre e TIMmusic

"Pensando no cenário da música gravada, o ano de 2023 começou com uma movimentação importante na dinâmica entre gravadoras e plataformas, com o aumento na pressão pela revisão do modelo de repasse no streaming. Apesar deste ponto ser importantíssimo, para mim o aumento do preço da assinatura foi o acontecimento mais importante do ano, embora esse movimento tenha sido iniciado no final de 2022, foi no segundo semestre de 2023 que todos os principais players do mercado aderiram ao aumento. Tal acontecimento foi o mais importante do ano porque indica alguns pontos de inflexão no mercado, os principais: 

1. Não há uma alternativa clara para o "motor de crescimento do mercado". O Streaming ainda domina a geração de receita da música gravada. Mesmo com o recente, e até surpreendente, crescimento do físico, não há outro gerador significativo de crescimento para o mercado. Além disso, o crescimento de regiões ou países emergentes ainda não é suficiente para suprir a desaceleração do crescimento nos mercados mais maduros, como América do Norte e Europa, principalmente Estados Unidos e Inglaterra. Neste cenário, o aumento no preço tornou-se a principal ferramenta na busca pelo crescimento. 

2. Os aumentos continuarão acontecendo. Há um consenso entre analistas no mercado global que, mesmo com o reajuste, o custo da assinatura ainda está defasado em comparação com o valor do acesso a todo o catálogo musical (passado e futuro). Podemos esperar mais ajustes no num futuro próximo. À medida que os preços aumentarem, veremos ainda mais discussões sobre como tal receita será repartida, já que a competição por market share entre Majors e Independentes continua a crescer, assim como a adoção de ferramentas de recomendação por algoritmo. 

3. Ainda não se sabe como "alavancar" o modelo de streaming para gerar novas receitas. Mesmo que o mercado já discuta oportunidades claras de crescimento, como a de melhorarmos a monetização dos "super-fãs", ainda não temos novas linhas de receita relevantes que estejam se aproveitando da base de clientes (pagos os não) e da infraestrutura de pagamento das plataformas de streaming. Voltando ao primeiro ponto, se ainda não temos outras formas de gerar receita e temos uma potencial saturação da base de clientes nos mercados que pagam mais, a saída é seguir aumentando o preço do modelo mais adotado. 

Para nós, brasileiros e latinos, outro tema que me chamou atenção foi a consolidação da música latina nos Estados Unidos e no Mundo. Nos EUA, o gênero "Latin" tornou-se o quarto maior em 2022, se considerarmos o streaming de áudio e vídeo (Luminate Data), e manteve a posição no relatório do meio do ano de 2023. Isso significa que a música latina já supera a música country em seu país de origem. Tal fenômeno foi impulsionado por diversos fatores, entre eles o crescimento do Trap latino e da música mexicana, em especial dos Corridos Tumbados, e a importante e crescente presença da comunidade latina nos EUA com mais de 60 milhões de habitantes, representando quase 20% da população do país."

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